Matias Monteiro constrói as peças para um jogo de memória, resgatando de um plano muito introspectivo os seus códigos de trabalho. Seus objetos e desenhos são chaves de acesso a um lugar de fundo, um espaço anterior, conceituado na idéia de infância como condição socialmente partilhada. Com isso, propõe para todos nós um universo em comum e uma origem desconfortável, gerando o constrangimento de uma constatação: houve um tempo em que sabíamos. Confirma a dor do adulto ao fazer-se nesse abandono.
A singeleza de seus pertences busca valor em um complemento não materializado pela obra, dependente dos olhos visitantes e da memória que os confronta. Suas garatujas riscam um plano posterior de nossos cérebros, um lugar atrás, se aceitarmos como lógica a sua construção por um adulto.
Sabemos que Jung [1] exercitava acessos aos componentes do inconsciente por meio de exercícios autistas de repetição pendular e jogos com cubos de alfabetos. Já era um homem velho, mas não abria mão de retornar a si mesmo e usava objetivamente esses expedientes como chaves de acesso.
Matias Monteiro conforma suas chaves em arte, associando-as a conteúdos de densidade poética, complementando linguagem e meios em um jogo perigoso e agressivo. Para tanto, usa elementos reconhecíveis, singelos e cotidianos, já socialmente codificados, formadores da cultura simbólica com que construímos nossa sensibilidade. Seus objetos atestam uma condição adquirida e irrevogável, permitindo nosso percurso entre corpos, idades, sexualidades e sentimentos diferentes.
Ao bordar uma rede de ligações afetivas entre objeto e sujeito, chama-nos a olhar para dentro e coloca-nos lá, na intimidade do espaço da reminiscência, experiência, abnegação e redescobrimento.
Belidson Dias
Artista plástico, Professor Dr. Artes Visuais
Ralph Gehre
Artista plástico
Setembro de 2006
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[1] Carl Gustav Jung, 1875-1961, médico e psiquiatra suíço, teórico da psicanálise