Luciana Paiva e Matias Monteiro
2005
leitura 1: como busca
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Se ler é uma jornada, a leitura se sugere então como busca. Mas o que busca o leitor?
Busca seu lar.
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A busca ao lar é fadada ao fracasso.
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O leitor busca uma palavra que possa habitar
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O leitor busca seu nome próprio, quer habita-lo.
O nome próprio desgarrado nos é estranho - por vezes repulsivo (Jean Cocteau). Não deixa, no entanto, de nomear-nos.
Meu nome é outro; não coincide com os nomes de meu pai ou de meu avô.
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meu nome é outro, não coincide com o do meu pai ou do meu avô.
Matias Monteiro. Nanquim sobre papel. 2005.
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O ato da leitura não descreve um nomadismo.
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A leitura é sempre o percurso de um ser sedentário que busca a morada perdida, que procura fixar residência... A palavra que o nomeará. Mas que nunca encontra.
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Ler é ter/estar perdido
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Perdido o lar-nome.
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leitura 2: como descrição de movimento
Um deslocamento é descrito como um percurso entre dois pontos distintos. Se o ponto de chegada coincide com o ponto de partida, diz-se que o deslocamento foi nulo.
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A leitura se dá, no mais fisiológico dos níveis, enquanto movimento. Nossos olhos percorrem incessantemente o mundo, com grande agilidade.
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A qualquer movimento associamos uma grandeza chamada velocidade, para medir a variação da posição do objeto no tempo.
Velocidade positiva: indica que o objeto está caminhando a favor da orientação positiva da trajetória.
Velocidade negativa: indica que o objeto está caminhando contra a orientação positiva da trajetória.
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A leitura, conforme a tradição ocidental se dá da esquerda para a direita.
(descreve um “não”)
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O olhar atinge o mais íngreme dos pontos, o leitor é tomado por uma vertigem. Ele sente o desequilíbrio, pressente a queda, e então corre novamente ao ponto de partida.
“Ponto, parágrafo”.
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A leitura pressupõe risco.
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O olhar do leitor refugia-se em um ponto que quase coincide com seu ponto de partida.
Em sua rota de fuga, o olhar sugere uma leitura invertida que nunca se concretiza.
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O virar da página nada mais é que uma nova representação dessa quase coincidência de retorno...
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leitura 3: como um rio
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E se eu for rio, faço questão: bifurco, ramifico, divido. Duvido que chegue ao mar.
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Todos os afluentes desmentem o rio.
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leitura 4: como fantasma
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Ler, ler não tem nada haver com o texto.
O texto é só meu pre-texto para ler.
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Minha leitura antecede as desculpas
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A poesia não responde a nada
A poesia é o exercício lingüístico da questão.
A poesia reconhece o vazio que se encerra na palavra, reconhece na palavra o que ela tem de oca.
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Só pode apreciar a escrita aquele que crê em fantasmas. Só pode apreciar uma obra-situação, aquele que crê na materialidade dos espectros.
Desvendar o fantasma é inevitavelmente render-se a morte; rendem-se a morte aqueles que procuram o que no mágico há de truque. Não crêem em fantasmas, que dirá nos ectoplasmas que os constituem.
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Se ler é uma jornada, a leitura se sugere então como busca. Mas o que busca o leitor?
Busca seu lar.
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