Matias Monteiro (1980)

Matias Monteiro (Brasília - 1980) fez sua primeira exposição individual em 1984 em um pequeno apartamento na rua Saint Marc, Montreal, Canadá. Seus pais emolduraram seus desenhos e os expuseram na sala de estar, mas, afoitos, terminaram pendurando-os de cabeça para baixo. Matias pendura seus próprios desenhos desde então. Hoje, é mestre em Poéticas Contemporâneas (2008) e Bacharel em Artes Plásticas (2004) pelo Instituto de Artes da Universidade de Brasília. Atualmente é graduando em Museologia pela UnB.





A Leitura como Percurso

Luciana Paiva e Matias Monteiro

2005


leitura 1: como busca

Se ler é uma jornada, a leitura se sugere então como busca. Mas o que busca o leitor?

Busca seu lar.

A busca ao lar é fadada ao fracasso.

O leitor busca uma palavra que possa habitar

O leitor busca seu nome próprio, quer habita-lo.

O nome próprio desgarrado nos é estranho - por vezes repulsivo (Jean Cocteau). Não deixa, no entanto, de nomear-nos.

Meu nome é outro; não coincide com os nomes de meu pai ou de meu avô.


meu nome é outro, não coincide com o do meu pai ou do meu avô.

Matias Monteiro. Nanquim sobre papel. 2005.

O ato da leitura não descreve um nomadismo.

A leitura é sempre o percurso de um ser sedentário que busca a morada perdida, que procura fixar residência... A palavra que o nomeará. Mas que nunca encontra.

Ler é ter/estar perdido

Perdido o lar-nome.

leitura 2: como descrição de movimento

Um deslocamento é descrito como um percurso entre dois pontos distintos. Se o ponto de chegada coincide com o ponto de partida, diz-se que o deslocamento foi nulo.

A leitura se dá, no mais fisiológico dos níveis, enquanto movimento. Nossos olhos percorrem incessantemente o mundo, com grande agilidade.

A qualquer movimento associamos uma grandeza chamada velocidade, para medir a variação da posição do objeto no tempo.

Velocidade positiva: indica que o objeto está caminhando a favor da orientação positiva da trajetória.

Velocidade negativa: indica que o objeto está caminhando contra a orientação positiva da trajetória.

A leitura, conforme a tradição ocidental se dá da esquerda para a direita.

(descreve um “não”)

O olhar atinge o mais íngreme dos pontos, o leitor é tomado por uma vertigem. Ele sente o desequilíbrio, pressente a queda, e então corre novamente ao ponto de partida.

“Ponto, parágrafo”.

A leitura pressupõe risco.

O olhar do leitor refugia-se em um ponto que quase coincide com seu ponto de partida.

Em sua rota de fuga, o olhar sugere uma leitura invertida que nunca se concretiza.

O virar da página nada mais é que uma nova representação dessa quase coincidência de retorno...

leitura 3: como um rio

E se eu for rio, faço questão: bifurco, ramifico, divido. Duvido que chegue ao mar.

Todos os afluentes desmentem o rio.

leitura 4: como fantasma

Ler, ler não tem nada haver com o texto.

O texto é só meu pre-texto para ler.

Minha leitura antecede as desculpas

A poesia não responde a nada

A poesia é o exercício lingüístico da questão.

A poesia reconhece o vazio que se encerra na palavra, reconhece na palavra o que ela tem de oca.

Só pode apreciar a escrita aquele que crê em fantasmas. Só pode apreciar uma obra-situação, aquele que crê na materialidade dos espectros.

Desvendar o fantasma é inevitavelmente render-se a morte; rendem-se a morte aqueles que procuram o que no mágico há de truque. Não crêem em fantasmas, que dirá nos ectoplasmas que os constituem.

Se ler é uma jornada, a leitura se sugere então como busca. Mas o que busca o leitor?

Busca seu lar.