Matias Monteiro (1980)

Matias Monteiro (Brasília - 1980) fez sua primeira exposição individual em 1984 em um pequeno apartamento na rua Saint Marc, Montreal, Canadá. Seus pais emolduraram seus desenhos e os expuseram na sala de estar, mas, afoitos, terminaram pendurando-os de cabeça para baixo. Matias pendura seus próprios desenhos desde então. Hoje, é mestre em Poéticas Contemporâneas (2008) e Bacharel em Artes Plásticas (2004) pelo Instituto de Artes da Universidade de Brasília. Atualmente é graduando em Museologia pela UnB.





Des-pedaços e remendos de um olhar perdido...

Des-pedaços. Laurem Crossetti. 2010

“Olho para você como se olha para o impossível”.

Roland Barthes

Que sacrilégio incomparável rasgar-se uma fotografia! Que crime hediondo (sempre passional) matar uma imagem e privar nossos desafetos, ou nosso próprio passado, da capacidade de a-sombrar-nos como seus olhares turvos e granulares... Quantas vezes essa despossessão foi orquestrada ao longo da história da fotografia? Há uma certa crueldade na impunidade deste ato... nada, no entanto, nos redime.

A fotografia digital (a celebrada imagem numérica) perdeu essas sutilezas: apagar (deletar) uma imagem e confirmar essa decisão de modo quase intuitivo por meio de uma interface (em um mero aperto de botão já basta) banaliza o ato. A fotografia é hoje essencialmente descartável, seu próprio dispositivo prevê que ela seja constantemente eliminada da memória.

Para a psicanalísta Tania Rivera, a fotografia opera um trauma na visão moderna ao re-velar-nos esse “inconsicente óptico”, como alude Walter Benjamin. A fotografia inaugura na experiência subjetiva da burguesia urbana o direito de ser registrado; o direito de ser visto e lembrado, de encenar, performar, sua própria existência e, de certa forma, realizar-se na imagem de seus próprios fantasmas. Esses vestígios, produzidos de bom grado, alicerçam nossas próprias mitologias de origem. A fotografia prestra-se a sua vocação; é absolutamente pretérita.

Estas são fotografias que se lamentam; convertem-se no registro de um desastroso infortúnio e de uma constatação: “Nunca mais me olhou daquela maneira[1]. Essa espécie de nostalgia melancólica confunde-se com a demanda por um olhar (por um modo particular de olhar - “daquele jeito[2]-, como a intensidade de um olhar perdido). Lançamo-nos, então, na busca por esse olhar que, supõe-se, encantador (se por nenhuma outra razão, simplesmente porque o olhar fotográfico é o olhar da sedução).

Mas esse olhar esta desrealizado, como a própria face da outrora jovem noiva. Não o encontramos, aonde quer que o procuremos; ele não comparece. A operação de reconstituí-lo falha. A memória se dá em precariedades, em perdas, em ruínas... A reconstituição é aqui o exercício de uma certa insensatez, uma estratégia rudimentar... há algo de extremamente patético e, portanto, profundamente humano, nesse fracasso. A vida vacila, a memória falha e o olhar esvazia-se... captura-me o “nunca”.

Matias Monteiro

[1] E aqui também o texto nos é dado como fragmento, reconstituído/orquestrado.

[2] Não é esta, afinal, a demanda do fetishista; um glance, o vislumbre, um determinado modo de olhar que o sujeito lança e, mediante o qual, o objeto de seu desejo o captura e o facina?