Matias Monteiro (1980)

Matias Monteiro (Brasília - 1980) fez sua primeira exposição individual em 1984 em um pequeno apartamento na rua Saint Marc, Montreal, Canadá. Seus pais emolduraram seus desenhos e os expuseram na sala de estar, mas, afoitos, terminaram pendurando-os de cabeça para baixo. Matias pendura seus próprios desenhos desde então. Hoje, é mestre em Poéticas Contemporâneas (2008) e Bacharel em Artes Plásticas (2004) pelo Instituto de Artes da Universidade de Brasília. Atualmente é graduando em Museologia pela UnB.





Pessoas,

Resolvi postar um breve relato de minha rápida (porém intensa) estadia na paulistéia desvairada (conhecida também como sampa-city). Os que me conhecem sabem que fotos de viagem não fazem parte do meu repertório. Isso é um mal de família que por vezes me aflige, mas sempre prevalece. Mas vejam, alguns anos atrás eu resolvi escrever alguns momentos, desenhar imagens; ou seja, construir um relato (talvez mais intimista ou menos compromissado) de minha experiência de estrangeiro. Em São Paulo não foi diferente. Logo de cara deparamo-nos com uma árvore com flores-salmão que me encantou profundamente. O Paulo entendeu meu fascínio, e logo em seguida, depois de muito analisar, retirou um gravetinho com umas frutas secas e nos mostrou com curiosidade pueril: "olha isso!". Segue, então, meu breve relato:


O secador de roupas da área de serviço de frente a minha janela era circular e dançava ao vento sem parar.


Uma moça lia um livro sentada no metrô. Eu a observei com uma pontinha de cumplicidade, pois estava cansado. Lembro-me que uma vez sentei no chão do metrô e fui sumariamente repreendido; então minha cumplicidade abria espaço para uma pequena dose de admiração por sua audácia. Ela vestia um casaco azul, daqueles de gorro. Eu a observei por alguns momentos enquanto o metrô passava ao fundo. Quando finalmente ele partiu, revelou, em letras garrafais "PARAÍSO" em uma placa da exata cor do casaco da moça. Eu pensei: "daria uma belíssima cena de filme".

Um dia, fiquei um pouco mais para trás do grupo e cruzei com minha própria morte. Ao menos eu penso que era minha morte. Eu a olhei discretamente; ela me encarou com olhos escuros e profundos. Depois que ela passou não pude evitar olhar por cima do ombro para ter certeza de que não se tratava de uma alucinação. Virei-me a tempo de vê-la mimetizar meu movimento. Repetimos essa tímida e sincronizada troca de olhares por umas três vezes antes que minha morte sumisse na multidão. Não mencionei o ocorrido com nenhum dos presentes, mas foi um encontro horripilante.

Uma noite eu olhei pela janela e vários edifícios e um helicoptero cintilaram ao mesmo tempo. É como se São Paulo estivesse piscando para mim. Não pisquei de volta porque não me pareceu apropriado. São Paulo é uma cidade libertina.

Um homem tocou gaita no ônibus. Foi uma grata surpresa. Ele tomou a precaução de abafar o som com sua mão, o que só tornava a melodia mais precária e singela. As pessoas do ônibus o encaravam com olhares de censura. Ele finalmente parou de tocar e pudemos voltar a apreciar nossa sinfonia de buzinas em paz. Vi uma rua com a qual sonhei. Não sei se eu já a tinha visto antes (a não ser em sua versão onírica).

No bar haviam dizeres nos quais se lia "quem tem afeição, não tem razão". Na pista está escrito "Olhe".

Na volta sentei do lado de uma moça que ficou com medo do avião. Disse que em toda a sua vida só havia andado de avião duas vezes: uma para a Oceania e outra para pular de para-quedas (?!). Seu receio advinha do tamanho reduzido da aeronave, que lhe dava a impressão de uma insuportável vulnerabilidade. Ela disse que um dia teria maiores instruções de salto, e viajaria sempre com seu próprio para-quedas. Eu ri.

Observei Diana adormecida. Era uma escultura enorme, voluptuosa da deusa com seu arco posto e com uma meia-lua em sua fronte. Me senti o maior dos hereges e um pavor milenar se apossou de mim por apenas imaginar que seu olhar poderia voltar-se sobre mim. Essa é uma deusa que não tem piedade com voyeurs.