Matias Monteiro (1980)

Matias Monteiro (Brasília - 1980) fez sua primeira exposição individual em 1984 em um pequeno apartamento na rua Saint Marc, Montreal, Canadá. Seus pais emolduraram seus desenhos e os expuseram na sala de estar, mas, afoitos, terminaram pendurando-os de cabeça para baixo. Matias pendura seus próprios desenhos desde então. Hoje, é mestre em Poéticas Contemporâneas (2008) e Bacharel em Artes Plásticas (2004) pelo Instituto de Artes da Universidade de Brasília. Atualmente é graduando em Museologia pela UnB.





Tempo para jogar




Marina Luise

É preciso ter tempo para ver os rostos e a paisagem. Para se evidenciarem a força e a atmosfera que deles emanam. O drama interior das pessoas, a serenidade dos lugares. Tudo aquilo que não se estampa de imediato.
- Nelson Brissac Peixoto – “Ver o Invisível, A Ética das Imagens”


Poderia classificar como indiferente minha primeira experiência com as centenas de casinhas de brinquedo dispostas regularmente sobre uma parede. O interesse que me despertaram foi o suficiente para eu apenas ir a seu encontro checar do que se tratavam aqueles pontinhos vistos à distância. “Ah, são casinhas...”, pensei, e me contentei em relacioná-las ao restante daquela exposição – trabalhos todos de Matias Monteiro, que faziam uma clara referência à infância e eram permeados por uma tensão psicológica. Após tal conclusão medíocre, eu já podia ir embora.
Cerca de um ano depois, trabalhando como mediadora em uma galeria, me deparo com a mesma obra. A exposição se chamava Brasília: Projetos e Fragmentos, e a instalação intitulada Auto-paisagem (como casa) agora me obrigava a olhá-la com mais acuidade, em decorrência da própria função que me era atribuída naquele espaço. O fato de eu passar momentos de todos os meus dias em frente àquele trabalho, conversando a seu respeito com as mais diferentes pessoas, permitiu-me perceber o quanto a minha pressa (ou minha ingenuidade) o havia subestimado anteriormente. Auto-paisagem (como casa), em sua aparente simplicidade, se apresentava agora como um trabalho de grande riqueza. As casinhas são de brinquedo, que memórias elas resgatam? Quais as sensações provocadas pelo modo como estão dispostas na parede? Essa configuração pode ser chamada de “cidade”? Se mudarmos nosso posicionamento, a obra se modifica? E como é essa questão dos pontos de vista? De que modo ela se relaciona com o tema “Brasília”? Esses são apenas alguns poucos exemplos de discussões que o trabalho foi capaz de gerar ao longo de aproximadamente dois meses em que esteve exposto pela segunda vez.
E comprovando mais uma vez sua qualidade enquanto obra de arte, Auto-paisagem (como casa) surge à minha frente em um terceiro contexto, na exposição Play rePlay, se mostrando capaz de ainda suscitar questões inteiramente novas. Desta vez, me ative a pensar a respeito de título da obra. “Auto- paisagem” faz uma clara referência ao auto-retrato, implicando em um interessante deslocamento: como criar uma paisagem de si próprio? O que estaria contido na paisagem que faz referência ao retrato do artista?
A respeito da aparição do rosto na paisagem, Nelson Brissac Peixoto comenta as observações de Walter Benjamin acerca do cinema russo: “Homens que não pretendiam chegar à posteridade pelas fotografias e por isso mesmo, transportavam para as imagens todo o seu mundo cotidiano” [1]. Matias Monteiro também se utiliza da paisagem para remeter a um retrato que, se nessa obra fosse utilizado literalmente, suprimiria vários aspectos que só se dão por meio da sugestão [2].
Ainda segundo Brissac, observamos uma velocidade que condiciona as imagens contemporâneas (o autor se refere a fotografias), quase como uma ausência de tempo. O retratista e o paisagista, ao contrário do repórter e do fotógrafo de guerra, andariam com a calma e a paciência de aguardarem o momento certo da captação do sublime [3]. Sendo assim, havia uma mudança de papéis em minha relação com a obra de Matias: se o retrato de antigamente era condicionado à demorada imobilidade para que se revelassem todas suas sutilezas [4], agora era o observador – eu, no caso - quem deveria se submeter a uma longa pausa para que estivesse capacitado a enxergar os detalhes contidos na obra. Após ter sido condicionada a tanto tempo de observação de Auto-paisagem (como casa), em três diferentes exposições, aquela instalação passara a me revelar muito do que antes me era ausente.
E então a obra de Matias se tornou, a meus olhos, infinitamente prazerosa. Foi o prazer advindo de um jogo para o qual me convidaram as pecinhas presas na parede – esse, tão característico da arte, no qual cabe ao artista a função de inserir determinados elementos, enquanto o observador, a partir deles, está incumbido de levantar discussões. Auto-paisagem (como casa) fez-me crer que a boa obra de arte não esgota em discussões, porém está completamente dependente do bom fruidor – aquele que dispõe de tempo para jogar.

NOTAS
[1] N. Brissac Peixoto, Ver o Invisível, A Ética das Imagens, p. 303.
[2] J.L. Borges, “La Metáfora”, em Arte Poética, Seis Conferências, pp. 47-8.
[3] N. Brissac Peixoto, Ver o Invisível, A Ética das Imagens, p. 304.
[4] Ibidem, p. 303